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Jorge Paulo Lemann: o sonhador que criou um império

Conheça a história do bilionário que revolucionou o capitalismo e a forma de trabalhar em empresas pelo mundo.


Quem é Jorge Paulo Lemann?

Jorge Paulo Lemann costuma falar que “sonhar grande dá o mesmo trabalho que sonhar pequeno”. Ele sabe do que está falando. É um economista e empresário nascido no Rio de Janeiro, filho de pais de origem suíça (o pai nascido lá, a mãe, filha de emigrantes) dos quais herdou a cidadania dupla, e uma das pessoas mais ricas do mundo.


Junto com seus dois principais sócios, Marcel Telles e Beto Sicupira, Lemann ergueu um império do capitalismo mundial. Criou o Banco Garantia e investiu em empresas como Lojas Americanas, Brahma e a Antarctica, que formariam a Ambev, o embrião da que hoje é a maior fabricante de cervejas do mundo, a AB InBev.


Investiu ainda em empresas como Telemar, Gafisa e ALL e, com a fundação do fundo 3G Capital, comprou as redes Burger King, Tim Hortons, Popeyes e Heinz, esta última em parceria com o investidor Warren Buffett, de quem é amigo pessoal.

Ex-jogador de tênis profissional e entusiasta da educação, é idealizador de três entidades filantrópicas: Fundação Estudar, Fundação Lemann e Instituto Tênis.

Família e formação

Jorge Paulo Lemann nasceu no Rio de Janeiro, em 26 de agosto de 1939, em uma família que nunca teve problemas com dinheiro.

Seu pai veio da Suíça para o Brasil no começo do século XX, deixando para trás o negócio de fabricação de queijos e laticínios da família – que existe até hoje. Primeiro, trabalhou em uma fabricante de sapatos mas, depois de uns anos no Rio de Janeiro, resolveu retomar o negócio da família e abriu uma fábrica de laticínios em Resende, a Lemann & Company — ou, simplesmente, Leco.


Seu pai se casou com Anna Yvette, filha de um casal de suíços, e foi morar no Leblon em uma casa sem extravagâncias. A morte prematura do pai, quando Jorge Paulo tinha 14 anos, abalou a família, mas Jorge Paulo continuaria dedicado aos estudos. Ele se formou no ensino médio, anos depois, e recebeu dos amigos o título de “most likely to succeed” – algo como aquele com mais chances de ter sucesso.


Seguindo os passos de um primo, foi estudar economia em Harvard, em 1957, e chegou a ser convidado a passar um ano longe da faculdade depois de um episódio que envolveu fogos de artifício no campus. Mas, em vez de se afastar, Jorge Paulo retomou os estudos decidido a terminar o curso em dois anos em vez dos três habituais – e conseguiu.

De volta ao Brasil

Como qualquer recém-formado, Jorge Paulo saiu em busca de trabalho. Queria trabalhar no mercado financeiro e conseguiu uma vaga na Deltec, empresa criada no Rio de Janeiro em 1946 para negociar ações no mercado latinoamericano. Lá, seu primeiro chefe foi Roberto Teixeira da Costa, que, em 1976, seria o primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Mas, desanimado com o estado embrionário do mercado de capitais no Brasil, resolveu usar sua dupla cidadania suíça e tentar um estágio no exterior. Conseguiu uma vaga no banco Credit Suisse, em Genebra. E odiou. A burocracia, a hierarquia e os processos lentos e engessados fizeram com que o jovem pedisse para sair do estágio depois de sete meses e se dedicasse, por um tempo, ao esporte que sempre praticou: tênis.

Em 1963, de volta ao Rio, foi contrato pela financeira Invesco. Lá, ele estruturou uma área de mercado de capitais que, em pouco tempo, começou a incomodar as tradicionais operadoras da Bolsa de Valores com uma espécie de “bolsa paralela” que chegou a movimentar 5% do volume da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.

Em pouco tempo, foi promovido a sócio da empresa mas, em 1966, a Invesco quebrou. Dessa primeira quebra, Lemann afirma que tirou duas lições: 1) é tão importante cuidar das receitas quanto das despesas e 2) é preciso ter gente boa e bem remunerada em todas as áreas de negócio. Por isso, ele costuma repetir a frase “goleiro também tem que ganhar bem”.

Na sua passagem pela Invesco, ele conheceu Jorge Carlos Ramos da Silva, que seria seu sócio no próximo negócio: a corretora Libra. Os dois amigos, conseguiram, de entrada, uma participação de 26% no negócio, dividido igualmente. A dupla fez a corretora deslanchar e dar chance para vários talentos que acompanhariam Lemann em outras empreitadas, como Luiz Cezar Fernandes.

Em 1970, aos 31 anos, depois de tentar, sem sucesso, comprar o controle da Libra, Jorge Paulo foi obrigado a vender sua participação por US$ 200 mil.

No ano seguinte, com o dinheiro, as pessoas certas – Ramos da Silva e Luiz Cezar – e dois investidores, comprou o título da corretora Garantia. Em 1972, Marcel Herrmann Telles foi contratado para trabalhar como liquidante e, em 1973, Carlos Alberto Sicupira, que conhecera Lemann praticando pesca submarina, começou a trabalhar na corretora. Nascia assim, aos poucos, a sociedade que seria mantida até hoje.

A longeva sociedade entre Lemann, Telles e Sicupira só foi possível graças a alguns pilares: os papéis dos três sócios sempre foram bem definidos; um não interfere no trabalho do outro e os três seguem os mesmos valores e dividem o mesmo apreço pela simplicidade e aversão aos holofotes. Apenas em 2000, eles redigiram um acordo de sócios, com a intenção de facilitar a sucessão já que, somados, os empresários têm 11 herdeiros.

Uma cultura forte – e polêmica

Desde sempre, Lemann proibiu que filhos e cônjuges de sócios trabalhassem na corretora – e em todos os outros negócios que vieram depois. Com isso, ele evitava problemas que costumam tomar conta de empresas familiares e abria espaço para jovens talentosos.

Estava particularmente interessado em contratar o que chamava de PSD: poor, smart and deep desire do get rich (algo como pobre, esperto e com grande desejo de enriquecer). Mais do que em diploma, Lemann estava interessado em encontrar pessoas com jogo de cintura e jeito de vencedor.

Como um dos donos da empresa, ajudou a estabelecer a cultura que se perpetuou pelo Garantia e por outras empresas que tiveram um toque de Lemann, além de ser copiada por muitos ex-funcionários em outras empresas fundadas por eles.

Numa época em que hierarquia e formalidade eram regra em bancos e empresas, no Garantia, não havia paredes separando escritórios nem terno e gravata obrigatório. O “uniforme” adotado era a calça caqui e a camisa com mangas arregaçadas.

O modelo de remuneração também era diferente, copiado do banco Goldman Sachs, com salários abaixo da média do mercado e bônus semestrais que podiam ser milionários: a cifra dependia do desempenho individual. A palavra de ordem era meritocracia e todos os funcionários de todas as áreas eram avaliados e bonificados – ou demitidos, caso o desempenho ficasse abaixo do esperado – a cada semestre.

Com excesso de “trotes”, metas ambiciosas e uma dose de brincadeiras exageradas, não era qualquer um que topava trabalhar no Garantia por muito tempo. Há quem lembre de um profissional que, assustado com o clima, saiu para almoçar no primeiro dia e nunca mais voltou. Processos relatando abusos e assédio também apareceram várias dezenas de vezes em todas as empresas com esse estilo de cultura.

Outra polêmica que envolveu o trio foi relacionada aos negócios. A CVM abriu processos administrativos para investigar Lemann e seus dois principais sócios. No final de 2009, o trio firmou um acordo para pagar R$ 18 milhões e extinguir os processos.

A construção do império

Em 1976, o banco americano JP Morgan tentou comprar uma parte do Garantia, mas Lemann dificultou o negócio e decidiu entrar no ramo de bancos de investimento.

Enquanto isso, aos poucos, Lemann foi obrigando os sócios fundadores a venderem partes da sua sociedade para que ele pudesse repassar para os novatos.

Em 1982, começou a se transformar em empresário quando o Garantia comprou a Lojas Americanas. Com a má gestão financeira, a empresa afundava e, segundo um cálculo de Lemann, estava tão barata que, mesmo que desse tudo errado, seria possível lucrar com a venda dos imóveis. Beto Sicupira foi o escolhido para comandar a companhia. Foi nessa época que, em busca de benchmark, Lemann e Beto foram visitar Sam Walton, fundador do Walmart, que viraria mentor e amigo dos dois.

Em 1993, Jorge Paulo, Beto e Marcel fundam a GP Investimentos, empresa de private equity. No ano seguinte, o Garantia teve o melhor ano da sua história, com lucro de quase US$ 1 bilhão, mas, quatro anos depois, abalado pelos efeitos da crise asiática, o Garantia foi vendido para o Credit Suisse por US$ 675 milhões. Era o fim de um sonho. Mas o pesadelo não durou muito. O foco de Lemann já estava em outros negócios.

(Imagem: Kenji Honda/Estadão Conteúdo/AE)

A criação da Ambev

Nove anos antes de ser vendido, em 1989, o Garantia crescia e enchia seu caixa. Com dinheiro sobrando, Lemann decidiu comprar a Brahma por US$ 60 milhões. Marcel Telles foi o escolhido para transformar a Brahma em um negócio lucrativo com a meta inicial de cortar as despesas em 10% e aumentar a receita na mesma porcentagem. Deu certo. Dois anos depois, o faturamento havia crescido 7,5%, o lucro triplicou e 35% dos melhores funcionários receberam um bônus de até nove salários. Era o embrião do que viria a ser Ambev, depois viraria InBev e, por fim, AB InBev.

Em 1998, foi implementado na empresa o Orçamento Base Zero, um programa radical de controle de custos que prevê a revisão anual de todas as despesas da companhia – não só dos aumentos que acontecem de um ano para o outro.

Foi esse programa, conhecido como OBZ, o responsável por fazer as contas da Brahma entrarem nos eixos o suficiente para que a empresa pudesse, em 1999, arrematar a concorrente Antarctica e criar a Ambev depois de apenas 45 dias de negociação. Surgia, assim, a quinta maior fabricante de cervejas do mundo.

A cultura que se estabeleceu foi a da Brahma, que bonificava com até 18 salários quem batesse suas metas. Mas o ambiente de trabalho polêmico chegou a motivar processos de ex-funcionários por assédio moral.

Em 2004, após meses de negociações, foi anunciada a fusão da Ambev com a belga Interbrew, que deu origem à líder do setor cervejeiro em volume, com receita anual somada de 12 bilhões de dólares, atuação em 140 países e 12% do mercado.

Na negociação, a belga havia comprado a Ambev, formando a InBev, mas, com o passar do tempo, Lemann, Marcel e Beto foram aumentando sua participação acionária na empresa até se tornarem seus maiores acionistas individuais.


Em pouco mais de dois anos, o lucro da companhia aumentou 150% – o que deu aos brasileiros a possibilidade de ir atrás da Anheuser-Busch, fabricante da Budweiser.

Em novembro de 2008, por US$ 52 bilhões, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira se tornaram os controladores da cervejaria americana. A nova empresa foi batizada de AB InBev e o carioca Carlos Brito se tornou seu principal executivo.

(Crédito: Oli Scarff / Equipe/ GettyImages)

A expansão internacional

Em 2004, o trio de empresários criou o 3G, um fundo com o objetivo de investir em empresas de fora do Brasil. Em 2010, por US$ 4 bilhões, o 3G comprou o controle da rede Burger King. Três anos depois, anunciou a aquisição da fabricante de alimentos Heinz, em parceria com o investidor Warren Buffett.

Em 2014, comprou a Restaurant Brands International, responsável pela operação da rede de cafeterias Tim Hortons e, em 2017, arrematou a rede Popeyes.

Lemann também é investidor em outros dois fundos: o Innova Capital, que investe em startups e colocou dinheiro na Movile (dona do iFood, entre outros negócios), e o Gera Venture Capital, focado em educação.

Patrocínios: esporte e educação

Lemann chegou a disputar Wimbledon e Roland Garros, dois dos quatro torneios mais importantes do mundo mas, acreditando que nunca estaria entre os dez melhores tenistas do planeta, resolveu parar. Em vez de tentar alcançar o topo do ranking mundial, ele decidiu tentar encontrar quem tenha esse talento.

Por isso, em 2002, foi o idealizador do Instituto Tênis, que testou e reinventou modelos para formar supercampeões e tem a meta de levar um brasileiro ao posto de número 1 do mundo até 2033 oferecendo treinamento, suporte de fisioterapeuta, nutricionista, pedagogo e psicólogo, além de apoio financeiro. O IT, como é chamado, também tem o Projeto Massificação, com dez núcleos espalhados por seis estados do país com “olheiros” que recrutam talentos em escolas públicas.

Mas este não é o único projeto filantrópico de Lemann. Aos poucos, ele foi se afastando do dia a dia dos negócios e se dedicando mais a iniciativas como a Fundação Estudar.

O embrião da Fundação Estudar começou a ser formado quando Lemann topou patrocinar os estudos do jovem Carlos Brito, que, em 2005, se tornaria o presidente da InBev. Brito conseguiu uma vaga para estudar em Stanford mas não tinha dinheiro para pagar o curso. Tentou patrocínio pela Shell, a empresa para a qual trabalhava na época, mas recebeu uma negativa. Soube que Lemann pagava cursos para funcionários da sua empresa e tentou a sorte. A estratégia deu certo.

Lemann investiu US$ 22 mil na educação de Brito e pediu em troca apenas que ele o mantivesse informado sobre o curso, não aceitasse nenhuma proposta de emprego sem antes falar com ele e que ajudasse alguém no futuro.

Em 1991, Jorge Paulo Lemann criou, oficialmente, a Fundação Estudar, organização não-governamental que financia os estudos de jovens em instituições de primeira linha. Brito é um dos maiores doadores da Fundação Estudar.

Em 2002, criou a Fundação Lemann, focada em ajudar a melhorar a qualidade da educação pública no Brasil oferecendo treinamento para professores de escolas públicas e criando, por meio de uma parceria com a Universidade de Stanford, um centro de estudos de empreendedorismo e inovação para a educação brasileira.

Estilo de vida

O esporte sempre teve seu espaço na vida de Lemann. Foi um deles, a pesca submarina, que uniu ainda mais Lemann a Telles e Sicupira, seus dois sócios no 3G.

Na juventude, Lemann também foi surfista. O carioca já falou, em mais de uma ocasião, sobre o dia em que resolveu entrar no mar com seus amigos, quando a maré estava bem mais alta que o normal e conseguiu escapar por pouco de ser engolido por uma onda três vezes maior que a que estava acostumado a pegar.


Dessa situação, ele tirou uma lição: é importante tomar risco, mas é preciso estar preparado para isso. “Ao longo da minha vida, eu me lembrei mais da onda de Copacabana do que daquilo que aprendi na faculdade.”


Mas foi ao tênis que ele mais se dedicou. Começou a praticar aos sete anos, no Country Club do Rio, reduto da alta sociedade carioca. Ultracompetitivo como se mostrou dentro e fora das quadras, ganhou vários campeonatos e se tornou campeão brasileiro juvenil aos 17 anos.

O adolescente levava o esporte à sério e seguia uma dieta de atleta, sem álcool e sem comidas pesadas. Chegou a abolir carne vermelha do cardápio e criou o hábito de ter sempre frutas desidratadas para beliscar entre as refeições.


O tênis acompanhou Jorge Paulo Lemann sua vida inteira, inclusive quando foi para Harvard. E, da mesma forma, quando foi para a Suíça, trabalhar no Credit Suisse, odiou o trabalho e passou a se dedicar ao esporte. Mas, eventualmente, desistiu e voltou para mundo dos negócios.


Lemann foi casado duas vezes. A primeira delas, em 1966, com Maria de San Tiago Dantas Quental, conhecida como Tote, psicanalista. Como ela, teve três filhos: Anna Victoria, Paulo e Jorge Felipe. Nenhum dos filhos, segundo regras que ele mesmo criou, trabalhou nas empresas controladas pelo pai mas Paulo e Jorge Felipe enveredaram para o mercado financeiro.


Lemann separou-se de Tote em 1986 e, cinco anos depois, casou-se com Susanna, uma professora suíça que embarcou para o Brasil para dar aulas na escola Suíço-Brasileira, no Rio de Janeiro. Como não conhecia ninguém na cidade, um primo seu passou o contato de Lemann. Os dois, acostumados ao mesmo estilo de vida de atleta, começaram a namorar, casaram-se e tiveram três filhos: Marc, Lara e Kim.


Os três foram alvo de uma tentativa de sequestro a caminho da escola. O motorista ficou ferido mas conseguiu escapar da emboscada. As crianças seguiram para a escola e Lemann foi fazer um boletim de ocorrência. Mas o episódio fez com que a família decidisse se mudar para a Europa, onde vive até hoje.



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